PÁGINAS

terça-feira, 18 de junho de 2013

IGREJA, CULTO E MISSÃO


Considerações eclesiológicas e missiológicas sobre a liturgia cristã

 
 
Igreja não é culto

Ao que parece, o senso comum confunde, amiúde, igreja com culto. Tanto é assim que parece cada vez mais difícil imaginarmos a existência da Igreja se dela retirarmos a liturgia. Seria possível a Igreja existir sem cultos? Parece evidente que este se trata de um dos seus componentes essenciais… mas nunca foi, e nunca será o único. Da mesma forma que dificilmente a Igreja subsistiria sem culto, ela não poderia subsistir sem outros elementos igualmente importantes.

Paradigmático, nesse sentido, é a narrativa lucana da Igreja Primitiva, no qual a liturgia é apresentada como um dos elementos eclesiológico-missionlógicos essenciais. Assim, no relato dos Atos dos Apóstolos (particularmente no capítulo 2, versos 42 e seguintes) a liturgia aparece como elemento de fecho de uma lista que compreende:

Primeiramente, a Doutrina (didalkalia). Por doutrina entenda-se não uma compilação sistemático-dogmática da religião, mas muito mais a coleção didático-pedagógica de preceitos, princípios e instruções, partilhados pelos apóstolos e líderes dessa eclesiogênese. As complexas e abstratas formulações dogmático-teóricas foram um produto tardio de uma realidade que começou profundamente comunitária no contexto de uma práxis eminentemente vivencial e encarnacional. Um segundo elemento elencado é a comunhão (koinonia), em terceiro vem o partir do pão (diakonia), e, finalmente, as orações (liturgia).

Reduzir a experiência eclesiológica ao culto resultaria num empobrecimento tamanho que desqualificaria a Igreja como tal.
 
 
Missão não é trazer as pessoas para o culto

Considere-se o comissionamento dado por Jesus (Mt 28): “indo, fazei discípulos de todas as nações, ensinando-os.” Não se trata de uma dinâmica ad intra, mas ad extra. A missão pressupõe abertura, ensino e inclusão.

Trata-se de um equívoco estratégico, cada vez mais frequente, as práticas evangelísticas e missionárias que insistem em atrair o público para os cultos, para então evangelizá-lo. Isso desvia o foco da Igreja, que sendo agência do Reino de Deus, transforma-se em agência de marketing e de merchandise.
A missão não acontece no culto, mas no seu interregno. É entre um culto e outro, que a igreja evangeliza e cumpre sua missão.

A palavra “missa”, seria bom lembrar neste estágio da reflexão, deriva do latim, missio, assim como “missão”. A liturgia medieval da missa conformava duas partes essenciais: A primeira era chamada de liturgia dos catecúmenos. Como indica a consigna, dela podiam participar os batizados e os não batizados. Nela eram feitas, principalmente, as leituras bíblicas e a pregação, que as explicava. Tratava-se, pelo menos em tese, de uma parte do culto destinada à edificação e instrução do povo, especialmente dos que, já tendo sido evangelizados, se preparavam para receber o batismo.

Então, vinha a segunda e mais importante parte da missa, chamada de liturgia dos fiéis. Desta, somente os batizados tomavam parte, e incluía a ministração do sacramento eucarístico. Houve épocas e ocasiões em que os não batizados eram obrigados a se retirarem do templo. Conquanto houvesse, na primeira parte da missa, uma atenção para com os não batizados, é notório que o momento mais significativo do culto, o sacramento da Santa Comunhão, era restrito aos batizados. Daí, podemos supor que o culto é, essencial e primeiramente, um acontecimento protagonizado pelos fiéis e não uma instância estabelecida para converter os incrédulos.

No entanto, o culto também é missa, missio, missão. Mas como?
 
 
O culto é a fonte e o ápice da missão

O relato de Atos 3 exemplifica claramente o que estamos tentando mostrar: Pedro e João (que representam a Igreja) iam ao Templo para a oração (que é o culto); mas, no caminho (no interregno), encontram-se com o homem coxo (que representa o mundo carente do Evangelho). Nesse contexto, a Igreja interrompe sua caminhada rumo à liturgia para uma ação missionária sensorial e concreta (note-se o destaque dado para a visão, a audição e o tato, na narrativa – podemos ainda inferir o olfato…). Quando, filnalmente a Igreja e o Mundo se dão as mãos e passam a caminhar juntos, aí sim chega a vez do culto: entraram no Templo saltando e louvando a Deus (v. 10).

O Culto é, portanto a fonte e o ápice da missão (culmen et fons, diriam os teólogos clássicos) . O culto aguça os sentidos do Corpo de Cristo para a missão; dá-lhe olhos e ouvidos atentos; olfato e paladar sensíveis; e tato para o trato amoroso e misericordioso para interagir com aqueles e aquelas a quem a Igreja haverá de encontrar no caminho.

Luiz Carlos Ramos

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