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sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Qual Prática deve a Igreja Exercitar: Evangelho + ismo ou Evangelho + ação?


Extraído da Revista Mosaico – Edição Janeiro/Junho 2010

A fé cristã é uma fé em ação. A reflexão em torno da ação missionária da Igreja cristã gerou uma pequena confusão na compreensão desta fé em ação. Não é possível negar o problema conceitual entre os termos Evangelismo e Evangelização. Alguns missiólogos afirmam que a utilização do termo Evangelismo é desaconselhável. As razões para este tipo de compreensão é que, geralmente, o uso do sufixo “ismo” se disseminou para designar movimentos sociais, ideológicos, políticos, opinativos, religiosos e personativos, através dos nomes próprios representativos, ou de nomes locativos de origem, e se chegou ao fato concreto de que potencialmente há para cada nome próprio um derivado. Para os que defendem esta posição, o correto é utilizar o termo Evangelização que significa “ação de difundir o Evangelho; ato ou efeito de evangelizar”.
Porém, como não há consenso nesta discussão e o termo evangelismo já se disseminou pela Igreja Cristã. Por sinal temos uma infinidade complementos, por exemplo, quem nunca ouviu falar de: Evangelismo pessoal, evangelismo criativo, evangelismo infantil, evangelismo explosivo, evangelismo de rua, evangelismo urbano e por último, temo ouvido falar de evangelismo por fogo [livro de Reinhard Bonnke]. Em outras palavras evangelismo se tornou, como se diz nos espaços eclesiásticos, “uma estratégia” para o crescimento das denominações eclesiásticas.
Portanto no contexto das reflexões desta revista pretendo oferecer alguns pontos de vista para o nosso crescimento quanto ao tema da Evangelização ou do Evangelismo. Para isso vou transitar nos dois termos.

Evangelismo no Contexto da Missão

O primeiro destaque na reflexão é que necessitamos entender a missão como algo mais abrangente que o Evangelismo. Se por um lado a tarefa do Evangelismo é construir fundamentos para a ação evangelizadora, por outro lado a missão tem um caráter mais global que o Evangelismo. A missão não é uma estratégia humana ou das igrejas para conquistar fiéis para as denominações, ela é um desejo amoroso de Deus. E, a resposta humana para este amor ficou registrado na instrução de Jesus aos seus discípulos em João 13.34-35: “Um novo mandamento vos dou: que ameis uns aos outros; assim como Eu vos amei; que dessa mesma maneira tenhais amor uns para com os outros. Através deste testemunho todos reconhecerão que sois meus discípulos: se tiverdes amor uns pelos outros”. Por isso, evangelismo não pode ser praticado como estratégia para seduzir pessoas para projetos eclesiásticos. O evangelismo não deveria ser colocado no mesmo pé de igualdade com a missão, é necessário manter as devidas proporções, uma vez que é impossível dissociá-lo da missão mais ampla da Igreja.
Porém, o evangelismo é tema essencial da missão. E, este conceito firma-se com consistência, em especial para a América Latina, a partir do Congresso da Obra Cristã na América Latina (conhecido como Congresso do Panamá), em 1916. Este evento representa um marco missiológico para os protestantes da América Latina, uma vez que definiu a presença e as estratégias de ação para a expansão do protestantismo latino-americano. Pois, “a evangelização protestante anterior a esse acontecimento dependia em grande parte da visão de pequenas sociedades missionárias, em particular da iniciativa de indivíduos. Somente após 1916 procuraram consolidar esses esforços” (Arturo Piedra).
Outro evento significativo que relaciona Evangelismo no contexto da missão foi o Congresso Internacional de Evangelização, realizado em Lausanne, Suíça, em 1974. Dentro de suas teses principais estão: a Natureza da Evangelização; a Igreja e a Evangelização; Cooperação na Evangelização; Esforço Conjugado de Igreja na Evangelização; Urgência na tarefa Evangelística e Evangelização e Cultura.
Visto que o Evangelismo procura construir um conhecimento na ação evangelizadora da Igreja, e que muitas vezes esta construção é negligenciada por reducionismo da experiência religiosa, onde as comunidades de fé em seus contextos próprios por razões culturais constituem-se numa comunidade de iguais, o missiólogo David Bosch oferece um referencial importante, a saber: “a pessoa que evangeliza é uma testemunha, não um juiz”.

Evangelização como Estilo de Vida da Comunidade Cristã

Partindo do paradigma que a Evangelização consiste na tarefa de proclamar a boa notícia, cabe-nos refletir sobre a relação entre a Missão e a Evangelização. Por isso, pretende-se avançar com o conceito de que as ações missionárias são ações evangelizadoras. Refletir sobre quais são essas ações e a quem elas se destinam são tarefas da Igreja de Cristo.
A Evangelização é uma tarefa intransferível. O povo de Deus que acolhe a mensagem de salvação num gesto de gratidão testemunha para o mundo os feitos de Deus e como parte integrante da identidade cristã, tem no testemunho seu estilo de vida. Portanto, é necessário que a Igreja Cristã, na sua tarefa reflexiva possa oferecer “pistas” para as ações evangelizadoras, isto então nos remete a reflexão sobre Evangelismo.

Evangelização e Encarnação

A encarnação, na teologia de missão, significa ponto de partida para toda a discussão missionária. O Evangelho de João, que não faz parte dos evangelhos sinóticos, revela na introdução de sua teologia a dimensão da encarnação: “No princípio era a Palavra, e a Palavra estava com Deus, e a Palavra era Deus [...]. E a Palavra se fez carne e habitou entre nós. Vimos a sua glória, glória como a do Unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade” João 1.1 e 14. A própria encarnação é evangelização, no contexto da literatura joanina é o amor de Deus que o torna humano e vem habitar com a humanidade, porém “o grande desafio do Cristianismo é a encarnação, diante da tentação permanente da ‘desencarnação’. A encarnação do Verbo não se reduz à natureza humana de Cristo, mas envolve uma realidade humana mais ampla e permanente” (Tadeu Grings). A evangelização na dinâmica da encarnação permite que as dimensões culturais, no processo evangelizador, sejam respeitadas.
Por exemplo, as dimensões continentais do Brasil, revelam, em alguns casos, que as igrejas cristãs se articulam de forma desencarnada. Não é sem motivos que muitos historiadores, antropólogos entre outros, fazem críticas ácidas aos processos de evangelização de nosso continente quando milhares de culturas foram dizimadas. Este equívoco chamado aqui de ‘desencarnação’ foi praticado tanto pelo catolicismo romano no período do império como pelas missões protestantes no final do século XIX e início do século XX. Hoje procuramos uma evangelização sem rupturas com a cultura, uma evangelização encarnada pelos laços do amor, como revela João em seu evangelho.

Evangelização e Inculturação

Em especial, no mundo evangélico, ainda está presente o espírito de evangelização ou missionário na perspectiva da aventura. Muitos divulgam, promovem e buscam recursos para manter missionários em culturas diferentes do missionário. Há uma paixão por uma evangelização em culturas não nativas do missionário. O grande problema é como se realiza esta evangelização levando-se em conta o tema da inculturação. A exemplo do continente latino-americano muitas outras culturas sofreram agressões no processo evangelizador. No contexto desta reflexão, foi muito mais uma estratégia ideológica que uma ação evangelizadora. Esse equívoco é observado em dois grandes momentos: Se por um lado a ação evangelizadora dos católicos, no século XVI, foi motivada pelas estratégias de colonização do continente, por outro lado, a ação protestante, no final do século XIX e inicio do século XX, foi motivada pelo interesse estadunidense em dominar o “novo continente”. Pastoralmente eu tenho a suspeita que as disputas religiosas no Brasil refletem esses dois momentos. E, a pergunta, ainda em tom pastoral, que faço é: quando teremos sensibilidade cristã para uma ação missionária que contemple uma proposta de reconciliação? Pois, qual a razão de uma estratégia evangelística que em vez de reconciliar os proclamadores do Evangelho os separa e impõe disputas?

Indicações

Os paradigmas da evangelização e do evangelismo como prática missionária da Igreja contemplam temas essenciais da vida cristã, tais como os temas da cultura da encarnação e do amor de Deus. Muitas vezes as estratégias missionárias não sensíveis aos paradigmas acima se utilizaram de ideologias dominantes para proclamar suas “boas novas”.
Para aferir se esta minha afirmação faz sentido de vida em nossos tempos, reserve um tempo para a seguinte reflexão: o que as pessoas estão lendo, ouvindo e assistindo nas mídias religiosas de nossos dias? Esses areópagos virtuais proclamam um estilo de vida anunciado por Jesus como o “novo mandamento” ou se utilizam de estratégias de dominação ideológicas para fazer com que pessoas mudem a sua “bandeira” denominacional?
Peço a Deus em oração que nos ensine a viver o Evangelho como fruto da ação da Graça Divina em nosso meio.
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NICANOR LOPES é pastor metodista, coordenador do Curso de Teologia EAD e professor de Missão e Evangelização na FaTeo.

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